Introdução
Antes de nos debruçarmos, vamos definir o que é Jurimetria.
Jurimetria é a disciplina resultante da aplicação de modelos estatísticos na compreensão dos processos, das decisões do Judiciário e dos fatos relevantes ao direito. É o método que estabelece condições de análises descritivas e diagnósticas, além de evidenciar dinâmicas sobre a causa raiz de situações identificadas como relevantes.
O primeiro trabalho sobre o tema é atribuído ao matemático suíço Nicolau I Bernoulli, que em 1709 tratou em sua tese de doutorado De Usu Artis Conjectandi in Jure sobre precificação de seguros, confiança em testemunhas, probabilidade de inocência de um acusado, entre outros assuntos.
De maneira inicial, é de se expor os três prismas da Jurimetria, i.e, a base fundamental desta.
- A Elaboração Legislativa e Gestão Pública
Sob a ótica do legislador e do gestor público, a Jurimetria tem o papel de embasar a tomada de decisão formalizando os princípios utilizados. As avaliações devem ser replicáveis, dando-se preferência para dados públicos, a fim de tornar o estudo acessível a todos os cidadãos que desejam compreender melhor os mecanismos legais.
- A Decisão Judicial
Para o julgador, que deve ponderar sobre questões diversas, cabe o papel de avaliar uma série de fatores humanos e sociais à luz das normas legais. O aparato jurimétrico funciona como uma calculadora avançada, que permite ao julgador agregar sua experiência aos fatos observados, calibrando o grau de incerteza (probabilidade) para os cenários avaliados.
- A Instrução Probatória
Ao se valer de bases de dados e outras fontes relacionadas aos seus processos, o litigante pode avaliar a chance de êxito ou estimar valores do seu interesse. Ao formalizar os métodos utilizados, torna compreensível ao magistrado a associação entre o conteúdo legal e os casos sob sua responsabilidade.
Evolução do Direito
A evolução do mundo está acontecendo de maneira intensa. O mesmo vale para o Direito e correlatos. É inegável que a aplicação do mesmo sofra modificações e adira novos mecanismos de funcionamento. E diante disso, dessa modernidade e necessidade é que a utilização da tecnologia tem impactado de maneira significativa o Direito. Foram se as eras em que o operador do direito — advogado — necessitava ter o domínio das ferramentas de edição de textos e de impressão. E nesse ínterim, teve como surgimento, novas ferramentas. Planilhas foram substituídas por softwares jurídicos. Diversos cálculos foram automatizados. A documentação física em papel cedeu — ou foi expurgada — lugar a arquivos digitais em nuvem. E nesse bolo todo de evoluções tecnológicas, veio também a Jurimetria, com promessa de revolução e eficiência na advocacia e no Direito.
Características da Jurimetria
Segundo a ABJ (Associação Brasileira de Jurimetria), Jurimetria é a “disciplina resultante da aplicação de modelos estatísticos na compreensão dos processos e fatos jurídicos”.
Significa dizer que a multidisciplinaridade passa, definitivamente, a fazer parte do mundo jurídico. Ou seja, Jurimetria é a ciência dedicada ao estudo e compreensão da aplicação da doutrina e jurisprudência — jurisprudência entendida aqui como decisões contínuas e uniformizadas dos Tribunais. E identifica, dessa forma, eventuais mudanças de paradigmas e novos posicionamentos de magistrados, tão-somente para elucidar.
A Jurimetria proporciona condições de análises descritivas, diagnósticas e preditivas mais profundas. Além disso, consegue evidenciar dinâmicas sobre a causa raiz de circunstâncias identificadas como relevantes. E, quando utilizadas soluções tecnológicas especializadas, permite-se a criação de aprendizado e nortear ações práticas mitigatórias.
Determinadas plataformas permitem que você obtenha o detalhamento da tendência de um tribunal quanto à decisão de um agravo de instrumento de uma determinada espécie de liminar, por exemplo. Dessa maneira, permite que o advogado tenha uma visão maior do seu processo. E possa tomar uma deliberação, avaliando os interesses do cliente, de forma mais consciente e estratégica. Ao mesmo tempo, permite que o mesmo invista em determinadas ações, visto que, ao perceber a tendência jurídica, o mesmo extrai uma conclusão acerca do cenário do mercado.
Alguns sistemas que se valem da Jurimetria, por exemplo, como o Convex Legal Analytics, permitem monitorar continuamente a situação atual dos processos. E mais: caracterizar detalhadamente cenários, com todos os atores envolvidos e até análises comparativas com outras bancas, subsidiando, assim, a atuação proativa do advogado.
Com obviedade, a Jurimetria, por si só, não garante sucesso. Cada processo possui suas distinções, e os magistrados, suas convicções e orientações. Ao longo do exercício casuístico, dos acontecimentos e das provas constantes dos autos, tais convicções modificam. Mas até nisso a Jurimetria é benfeitora. Ela detecta, frente a padrões, o que foge à regra, dando uma margem mais segura de atuação.
Logo, ela transforma a realidade da advocacia, apresentando-se como um auxílio magnífico para uma atuação mais eficiente do operador do direito, podendo dar auxílio em tomadas de decisões estratégicas de cada caso como, por exemplo, optar por uma audiência conciliatória preliminar ou iniciar diretamente a lide de maneira contenciosa, após a análise e identificação de padrões nas decisões de magistrados ou no comportamento padrão da parte adversa.
Além disso, trata-se de um estudo estatístico que permite ao advogado delinear cenários e situar sua tática processual, podendo originar uma maximização de produtividade muito expressivo.
A tomada de decisões, tendo em vista a análise do posicionamento repetitivo de juízes — jurisprudência — e até mesmo padrões de atuação da parte contrária, além do uso recorrente de fontes doutrinária e jurisprudenciais em decisões tanto dos juízes de primeiro grau, como nos acórdãos de grau de apelação, de casos semelhantes, pode apontar tendências e colocar o advogado numa situação deveras privilegiada.
Analisando agora sob o ponto de vista do marketing jurídico, um enorme avanço pode ser provocado a partir de análises como as citadas anteriormente. Ora pois, elas possibilitam um panorama com maior amplitude sobre o mercado, como também permite que seja traçado um perfil do cliente com base nas decisões do Judiciário.
Este tipo de análise tornará a advocacia ainda mais competitiva e muito mais concorrida. Metodologias como a da Jurimetria demandarão aptidões singulares do advogado, pois a discussão das demandas passará para muito além dos argumentos, convergindo para o campo da estratégia, assim como na esfera corporativa.
Aplicabilidade e efeitos
Para se ter ideia do poderio que a Jurimetria tem, leve em consideração que um advogado que desejasse identificar padrões de sentenças sem a utilização de nenhum mecanismo eletrônico. Tal feito seria hercúleo e inimaginável, demandando esforço bruto do intelecto e anos de estudo. Agora, com o auxílio da Jurimetria, tecnologia que acessa bancos de dados do Poder Judiciário, conseguirá analisar centenas ou milhares de sentenças, petições, decisões de todo o tipo e espécie, cruzando informações, identificando padrões e apontando tendências em minutos. Um estrondoso avanço!
De tal maneira, os novos operadores do Direito terão acesso a uma inteligência que permitirá eliminar lacunas entre esses e os advogados mais experientes e renomados. Não significa que a tecnologia não substituirá a experiência. Pois, como dito anteriormente, será na estratégia processual que a disputa resultará e a experiência tem muito valor neste campo. Mas, com tais subsídios e recursos, o tempo que o advogado terá para dedicar ao aprimoramento de suas estratégias fará com o que o ganho de experiência seja bem mais consistente e ágil.
Com isso, o tempo de estudos de um formando em direito e um advogado seria reduzido de maneira espantosa utilizando uma ferramenta nestes moldes, já que um sistema como este poderá fazer centenas de análises de dados rapidamente, trazendo opções ordenadas em harmonia com o interesse do operador. Isto sem falar na probabilidade de sucesso que será significativamente aumentada em virtude desta prática de análise estatística.
Todavia, ainda há muito a evoluir para que possamos tirar melhor proveito da Jurimetria. O desafio máximo está no campo da disponibilidade de informações qualificadas. Isto porque esta é a matéria-prima da Jurimetria.
Para se ter uma análise de como a Jurimetria enxerga a estatística dentro da Ciência do Direito, algumas questões seriam remodeladas, visto que um jurimetrista teria uma ótica diferente de um jurista ortodoxo.
Se o jurista pergunta ‘Deve-se iniciar o cumprimento de pena em segunda instância?’, o jurimetrista terá como objeto de análise ‘Em quantos casos isso seria injusto?’.
Se os magistrados questionam ‘Qual tipo de processo é tem mais complicações?’, o jurimetrista perguntará ‘Qual é o tipo de processo requer mais tempos, ou mais diligências?’.
Se o patrono indaga ‘Em quanto indenizar-se-á o dano moral?’, o jurimetrista questionará ‘Quanto se pagou em casos similares?’.
Com isso, o Poder Judiciário teria o papel preponderante, vez que reúne a grande massa de informações acerca de processos em todo o país. Não obstante, tais informações estão desorganizadas, distribuídas em sistemas distintos, cadastradas de maneira diversa e com parâmetros variados em cada órgão do Poder Judiciário.
A sociedade mudou. O Direito e suas ferramentas de aplicação evoluíram. O que vem por aí, nos próximos anos, representará, todavia, um salto quântico em eficiência. Tanto para padronização de decisões, que levará a uma segurança jurídica e consequentemente, uma estabilidade tanto moral como econômica, como também para novas técnicas de patrocínio advocatício e formas de analisar casos antes mesmo de irem para o estagnado e lento Judiciário. A Jurimetria com toda certeza vai fomentar os meios de autocomposição e conciliatórios — mediação e conciliação — pois vai auxiliar deveras em tomadas de decisões e análises de casos e danos, permitindo que ambas as partes consigam por intermédio de um software e de um mediador toda informação que precisam para solver suas pendências, sem mesmo necessitarem de toda demanda ao Poder Judiciário.
Antes de encerrar, vale ressaltar que um software de Jurimetria combinado com uma inteligência artificial teria enormes vantagens para uma sociedade libertária, visto que, seria algo descentralizado, e de maneira que permitisse a padronização de resultados que os indivíduos almejassem para harmonizar sua comunidade ou sua moralidade, resolvendo conflitos de maneira rápida e segura, sem aberrações jurídicas ou mudanças de entendimentos abruptas que quebram paradigmas e toda estrutura basilar de um ordenamento jurídico. Esse parece ser o caminho do direito libertário, rumo à Jurimetria e ao Poder Judiciário Privado e descentralizado.
A Jurimetria em confronto com a Ética Libertária
Mas nem tudo são flores na Jurimetria. Há que se ressalvar alguns pontos.
Primeiro, o Problema da Indução[1]. Em seguida, a própria Guilhotina do Hume[2] quanto a algumas coisas que podem e são concluídas da Jurimetria — derivar um dever ser (norma/lei) a partir de um ser (fato). Não dá pra inferir algo como certo ou ético por dados passados. Apenas padrões que podem vir a acontecer. Mas nunca com exatidão completa.
Definitivamente quando estamos falando de ética — normativo —, descrições ou ações passadas não servem para se derivar um dever ser, visto que são do campo do ser. São fatos. São apenas dados de eventos passados nos quais o jurimetrista analisa e induz que vão ocorrer de certa forma. O que não é totalmente correto e prudente, conforme visto pelo Problema da Indução. Utilizar Jurimetria para criar normas é um tiro no pé. É algo que por si só gera margens para arbítrios e cai na falácia naturalista humeana.
Nenhum sistema ético é válido partindo de premissas contingentes e indutivas. A única forma de axiomatizar um ordenamento ético é ele sendo dedutivo com as premissas corretas, chegando a conclusões corretas. Disso, é perceptível que somente a Ética de Propriedade Privada — demonstrada pelo economista Hans-Hermann Hoppe em sua Teoria do Socialismo e do Capitalismo bem como na ilustre obra The Ethics and Economics of Private Property, que derivada toda sua validade e estrutura de maneira fabulosa com o a priori da argumentação — sugiro a leitura de ambos textos.
Por essa razão, vale a pena estudar e desenvolver essa ferramenta e investir nas novas tecnologias, mas jamais abandonar a verdadeira Ética por fantasias mirabolantes de juristas e economistas estatísticos empiristas de previsibilidade perfeita e de normas derivadas de fatos. A Jurimetria apenas será uma ferramenta para auxiliar, e não para fundamentar e ser a base, assim como sua irmã, a Econometria[3] é para a Praxeologia[4] e a economia.
E soma-se a isso, diversos outros meios de solução judicial de conflitos e de aparato jurídico numa sociedade libertária tais como: o estoppel, autocomposição (transação entre as partes), mediação, conciliação e arbitragem, que permitem a rápida solução do feito de maneira simples e eficiente, sem a necessidade de uma grande empreitada tecnológica e dentro da Ética Libertária.
Notas
[1] O problema da indução é a questão filosófica sobre se o raciocínio indutivo (uma generalização ou uma previsão não dedutiva) leva ao conhecimento. Uma generalização é qualquer argumento não dedutivo cuja conclusão é mais geral do que as premissas. Ou seja, o problema da indução refere-se a:
- Generalizar sobre as propriedades de uma classe de objetos com base em algumas observações do número de instâncias específicas da classe (por exemplo, a inferência de que “todos os cisnes que temos visto são brancos e, portanto, todos os cisnes são brancos”, antes da descoberta do cisne negro);
- Pressupor que uma sequência de eventos no futuro ocorrerá como sempre foi no passado (por exemplo, que as leis da física manifestar-se-ão como sempre foram observadas)
O problema humeano da indução é o problema de distinguir os bons dos maus hábitos indutivos, dada a ausência de qualquer distinção objetiva entre eles. Portanto a indução é uma inferência contingente e só pode levar a uma conclusão que tem apenas certo grau de probabilidade de estar correta. No seu Tratado da Natureza Humana, Hume insiste que as conexões probabilísticas, assim como as conexões causais, dependem de hábitos da mente e não têm base na nossa experiência do mundo
A resposta mais notável ao problema humano da indução foi formulada por Karl Popper dois séculos mais tarde.
O argumento de Popper relativo à falseabilidade das afirmações propostas e validade delas até que evidência verificável demonstre o contrário fundamenta a base da definição moderna de ciência, sendo por consenso a resposta mais aceita para o problema da demarcação entre ciência e não ciência. Segundo Popper, para o problema do cisne, “todos os cisnes são brancos, pelo menos até que alguma evidência em contrário seja descoberta”. Uma vez encontrada, a afirmativa deve ser abandonada, e nova afirmativa falseável mais abrangente deve ser proposta como explicação para a cor dos cisnes. As teorias científicas fundam-se no que se tem ciência que existe, e apontam o caminho mais provável para que aumente-se a ciência acerca da realidade intrínseca ao universo, evoluindo dinamicamente no tempo à medida que aumenta-se a ciência factual acerca da realidade intrínseca ao universo
[2] Segundo David Hume, não se pode deduzir o que deveria do que é, que enunciados descritivos puramente fatuais somente podem vincular ou implicar outros enunciados descritivos fatuais e nunca normas, pronunciamentos éticos ou prescrições para se fazer alguma coisa
[3] Econometria é um conjunto de ferramentas estatísticas com o objetivo de entender a relação entre variáveis econômicas através da aplicação de um modelo matemático.
[4] Praxeologia que vem do grego praxis (ação, prática) é uma metodologia que tenta explicar a estrutura lógica da ação humana. Comumente se relaciona com a obra do economista austríaco Ludwig von Mises e seus seguidores da Escola Austríaca. Para Mises, praxeologia é o estudo dos fatores que levam as pessoas a atingirem seus propósitos
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